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sábado, 13 de março de 2010

Transportes públicos - cap. II


Sobre quando alguém novo invade o território...

Já falei da comunidade da linha 5 mas ainda não vos disse o quanto são unidos. Alguns nem se falam ou apenas se conhecem de vista mas sabem tratar-se de um dos deles, um dos ocupantes da carreira da linha 5. É habitual ouvir coisas do tipo "aquela que costuma a vir às nove menos dez", para se referirem a um dos membros.
Quando tentei penetrar na comunidade, sofri várias discriminações dignas de registo. Olhavam-me de alto a baixo, de baixo ao alto, examinando cada pormenor de mim. Creio que, não terá escapado cm2.
Mas eu lá continuei dia após dia, no horário do costume.
A comunidade ficou intrigada. "Afinal não foi esporádico?", "O quê, ela vai outra vez com o nosso motorista?", "Aquilo ontem não se tratou de um engano?"
Então havia que perceber melhor quem seria esta intrusa...
Começam as perseguições. Membros da comunidade tentam perceber o meu caminho, de onde venho, para que lados é.
A intrusa não se assusta e persiste. Continua a ocupar um lugar na carreira e agora vem armada, já trás o horário. Medo na comunidade.
Então nomeiam alguém para a primeira abordagem: "é daqui?", "mas é estrangeira não é?", "como veio aqui parar?".
E pronto, já não tinham como se livrar da intrusa, não seria uma presença passageira, ela tinha vindo para ficar. Tem mesmo uma casa aqui e não é arrendada.
Se temos de levar com ela, um bocadinho de amizade não fará mal, pensaram alguns membros.
Então começam a haver conversas circunstânciais.
Um membro mais afoito, só podia ser do sexo feminino, não resiste ao meu charme e todos os dias lança um comentário simpático sobre as minhas fatiotas.
"Esta gasta tudo nos trapitos e depois tem de andar de autocarro como nós", certamente terá pensado. Afinal gaja que é gaja, lança sempre um comentário malicioso. "Mas o resultado é bom". "E onde comprará estas coisas?"
E esse último foi o pensamento que esta presada e pesada moça da comunidade não poderia ter tido pois logo de seguida, cusca como é, lhe permitiu perguntar-me: "onde compraste esse saco tão jeitoso?"
O que se diz numa situação dessas quando de está a falar de um saco que custa nada mais nada menos que metade do vencimento da curiosa?
E lá continuava ela, "dava para levar a bata e os chinelos para o trabalho", enquanto pensava eu o que havia de responder...

Transportes públicos - cap. I

E por falar em mulheres que usam o autocarro como a maioria usa o carro...

Um grupo de amigas costumava ir todas as manhãs juntas para o trabalho. Cada uma entrava na sua paragem e lá se iam agrupando em 4 bancos, 2 de costas para o motorista e outros 2 voltados para a frente. Cada uma já tinha o seu lugar marcado, uma enjoava se fosse de costas para o condutor, outra seria a primeira a sair e outra era a última a entrar. A 4ª ficava com o lugar que restava.
Nenhuma delas tinha um percurso de vida fácil e isso era algo que não precisavam partilhar, estava tatuado nas suas expressões.
Uma dessas raparigas, mãe de dois filhos e com um irmão de péssimo aspecto. Várias vezes se ouvia sobre tentar pôr-lhe algum juízo.
Para outra, aquela era a 2ªcarreira do dia. Apanhava uma antes para levar o filho ao infantário e depois ali esperava pela próxima, para ir trabalhar. Essa vinha sempre já meio desgastada, já meio transpirada e desfraldada. Não era para menos, ela já tinha feito a primeira maratona do dia.
A 3ª estava grávida e era mãe solteira. Com todo o peso que isso pode ter, ela era uma grávida linda, serena e transmitia uma força incrível. Muitas vezes recusava o lugar que alguém lhe queria dar, outras oferecia o seu lugar a alguém mais débil. Sobre andar de costas voltadas para o motorista, esse lugar que ninguém gostava, ela dizia que nem a gravidez lhe tinha feito enjoar quanto mais isso. Todos os dias fazia questão de lhe dar bom dia, fazia questão de olhar para a sua barriga que crescia a um ritmo alucinante e de lhe segredar em silêncio: "admiro-te".
A última, tal como o lugar que apanhava, parecia estar ali por acaso, era alguém com pouco interesse.
4 mulheres, 3 vidas interessantes, 3 exemplos de força para mim.

O mais impressionante: ali não se ouviam lamúrias, nem queixumes.
E eu com tanto mais que elas, com uma vida tão mais fácil porque tanto me queixava/queixo?!?

Durante 3 meses deixei de apanhar o autocarro, nesse tempo nasceu a Erika, nesse tempo a dos enjoos ficou desempregada.

Espero que tudo lhes corra bem...

quinta-feira, 11 de março de 2010

Transportes públicos - intro


Andar de transportes públicos permite-nos experiências maravilhosas e algumas aventuras.
Quem anda um dia por outro não consegue entrar nesse espírito de partilha ao invés de quem apanha a mesma carreira dia após dia. Aí sim, vemos todos dias as mesmas caras e começamos a fazer parte da vida uns dos outros. E isso acontece por fases: há a fase do bom dia, em que apenas as pessoas tentam ser educadas; há a fase do tempo, em que começa a haver uma certa empatia por alguém; e seguem-se as perguntas mais pessoais em que se pretende saber quem é aquela pessoa.
Interessantes também são as pequenas conversas cruzadas que se apanham entre paragens. Essas sim, abrem grandes janelas em que a imaginação tem muito por onde se expandir.
Apanhamos desde dores ciáticas, críticas gastronómicas e os muito frequentes, cortes na casaca.
Claro que, tudo depende da hora da carreira o que condiciona a faixa etária dos ocupantes.

Mas toda essa estória para partilhar o que se aprende nos autocarros.
Quando tive que deixar o luxo de andar de ligeiro e passar a pesados, sentia-me a pior do mundo. Que mau que isso era, como poderia sobreviver a tal coisa, e a indumentária? certamente que teria de ser alterada, saltos seriam complicados para andar até à paragem e desafiar os degraus!
Todas essas afirmações ou pensamentos tornam-se ridículos quando percebo que existem mulheres a fazerem toda a sua vida de autocarro.
 
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