terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O barco e o sonho

Nasci e cresci numa terra de imigrantes.
A geração dos meus pais e avós foram alvo de um boom de emigração essencialmente para os Estados Unidos da América e Canadá.
Acho que não há um único ser humano à face de solo açoriano que não tenha um familiar (ainda que seja um primo em 13º grau) na América (é assim que os açorianos referem os USA) ou Canadá. Ahh esperem, as vacas talvez não contem neste caso.
Isto significou ter uma infância diferente... a referência aos primos (desconhecidos) da América, as visitas dos tios dos sobrinhos filhos de irmão nas festas do padroeiro e claro.... o auge da felicidade, o barril!
O barril era literalmente um barril que os familiares emigrados mandavam (não tenho a certeza, mas acho que era de barco) com roupas (usadas), rebuçados e chocolates (os chamados candilhos*) e tudo mais que se lembrassem de meter. Um clássico era os sabonetes. Parece que em Portugal não haviam sabonetes tão cheirosos.
A justificação do barril é muito simples. Os familiares que ficavam nos Açores seriam necessitados e os emigrantes estavam na terra do tio Sam, a terra das oportunidades.
Outro clássico era mandar dolares nos postais de Natal e fotografias da pessoa a segurar a porta do frigorifico aberta. Era para mostrar a fartura.
Uma coisa que nunca percebi foi, à medida que a vida nos Açores melhorou, os emigrantes ficavam um bocadinho indignados e afirmavam: "Ah vocês agora já têm tudo! A América agora é aqui!"
A arte, a música e a literatura açoreanas também têm fortes marcas da emigração. Esculturas aos emigrantes em jeito de familias a se despedirem. Quem nunca ouviu falar no Nuno Bettencourt dos Extreme? Ou do livro Gente Feliz com Lágrimas?
Não?
Ok, tenho a certeza que se lembram de uma coisa, pois sei que passou aqui no Continente e que ninguém entendeu o que os actores diziam. Os Xailes Negros. Ou o Barco e o Sonho.
O Barco e o Sonho é um relato veridico da odisseia de dois açorianos que constroem um pequeno barco no qual viajam até aos Estados Unidos.
"Esta série conta a história do anseio e da necessidade que o povo açoriano tem de emigrar, reflectida de forma muito especial na história de dois aventureiros que constroem um pequeno barco no qual viajam até aos Estados Unidos. O tempo histórico da série é a decada de 50, época em que devido às rudes condições sócio-económicas nos Açores, o sonho de emigrar para a América aparecia muitas vezes como a única saída. Por outro lado era extremamente difícil emigrar pelas vias legais. Para além de penetrar o universo das motivações sociais e psicológicas que levaram à aventura assumida por dois homens do povo, através de histórias paralelas - O BARCO E O SONHO - reflecte também a moldura sócio-económica e o ambiente natural e humano de uma pequena vila açoriana nos anos cinquenta. O BARCO E O SONHO, é um trabalho de ficção, embora também seja uma homenagem à odisseia de dois açorianos que, em Julho de 1951, rumaram para a América do Norte numa pequena embarcação construída por eles próprios." retirado do site da RTP.
Devia ter uns 9 anos quando passou na RTP Açores. Na altura foi uma seca, a ação era parada paradissíma e eu não percebia para quê contar a história daqueles dois tristes.
Hoje acho que foi a história de coragem mais impressionante que já ouvi. Inspirador.
Amanhã vou ao Consulado entregar os documentos necessários para o visto para que sejam autenticados. Parece que o nome emigrante não me assenta bem, mas é isso que vou fazer, vou emigrar.
Se aquelas duas almas tiveram coragem de partir, desafiando o destino, metendo as suas vidas em risco, só por acreditarem que do outro lado do mar iam conseguir, conseguir recomeçar, conseguir uma boa vida, conseguir ser felizes, EU TAMBÉM HEI-DE CONSEGUIR**!


 
* candilhos é um vocabulo açoriano para referir rebuçados. Vem de candies.
** apesar do stress e de ter comido 2/3 de um pacote de bolachas enquanto escrevia este post...


1 comentários:

Vera disse...

É claro que vais conseguir! (E é claro que vai custar um bocadinho, mas se fosse fácil não tinha piada nenhuma)

Gosto tanto destes teus posts! :)

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