domingo, 25 de abril de 2010

Dona Dina


Há sítios mesmo pitorescos.
Mas se os locais são feitos de pessoas, certamente este é um deles.
Uma pequena freguesia, local de passagem, meio de viagem, ideal para esticar as pernas e ir ao WC.
Nesta descrição caberiam centenas de freguesias portuguesas, mas não esta.
Esta freguesia vive da vida que ela lhe dá.
Ela que fez daquele sítio, paragem obrigatória, pré-requisito para traçar qualquer itenerário ou até mesmo digno de pequenos desvios na rota estipulada.
Mal ouvi falar dos fabulosos pasteis de nata, melhores que todos os outros, quis lá parar.
A minha delícia foi além daquele creme maravilhoso e massa folhada estaladiça. Mal a vi, abriram-se janelas e comecei a imaginar...
deve ser filha de comerciante, merceeiro talvez. Habituada com sacos de farinha, kilos de arroz, presuntos do tecto, queijo fatiado avulso.
Fala com qualquer um, doutor ou pastor, para todos tem troco.
Uma verdadeira relações públicas como se diz nestes tempos modernos.
Tem braços de padeira, trabalhos pesados não a devem assustar.
A mulher tem um presença fortissíma, domina o balcão e faz sombra a qualquer um naquela sala.
O homem apenas faz por não a contrariar e lá vai ajeitanto os queijinhos para venda.
O filho, uma verdadeira flor, erro de concepção, anedota tendo em conta a natureza da mãe. Certamente sairá ao pai. Branco de bochechas vermelhuscas deixa transparecer insegurança fora da sombra materna.
"Mas para quê encertar outra garafa de Licor Beirão!?!?!?"
"3 que já estão aí! 3! 3!"
"Não vêm nada!!..."
Ela controla, desde o 1ºfreguês que se sentou ao balcão até os tabuleiros que precisam sair do forno.
Deve ser mulher de se levantar às 6h da manhã e deitar-se pela 1h. Aposto que a sua vida é aquela que se vê.
Entram caçadores, alguns com tanta convição como eu. Aposto que uma das motivações de ir à caçada é saberem que param ali para uma bucha.
"Antão já têm coisa que dê para jantar?"
"Hoje estava mau... os tordos fugiam."
"Oh home, ó fugias tu dos tordos?"
"A crise aqui não entra." - diz um dos aspirantes a caçador.
"Oh não entra... Olha-me só para o que está aqui de natas! Ainda não se vendeu um tabuleiro de broas." - maldizia ela da sua vida.
Mas assim que avista uma camioneta de excursão, enche-se com um sorriso que lhe vai de orelha a orelha e esfrega as mãos.
"Trás praqui uns tabuleiros de natas quentes!!"
"Oh Suzete tás pasmada? Põe-te a limpar o balcão!"
"E aquelas mesas? Quem recolhe a loiça?" - orienta ela o seu batalhão.
"São que nem tordos!!" - lança um caçador amador para se referir ao número de natas que saiem por minuto.
Quem me dera ter a energia desta mulher, penso eu.
Passo a viagem a imaginar o nome dela. Só pode ter um nome forte, só um nome assim lhe assenta.
Na vez seguinte afirmei: hoje não saio de lá sem saber o nome da mulher.
E assim foi, ela tinha um dos nomes que tinha imaginado para ela.

* o nome aqui usado não corresponde ao nome real.

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